As conjunturas política e econômica, especialmente após instalada a pandemia do coronavírus, têm imposto restrições a um dos principais debates para o Brasil, nesse ano de 2020, que é a aprovação do novo FUNDEB.
A política educacional cooperativa, à luz do pacto federativo de 1988, tem se mostrado a forma mais eficiente para avançar na luta contra as desigualdades socioeducacionais. A vinculação de recursos constitucionais para a educação – ressalvada a suspensão imposta pela Emenda 95 na esfera federal – se mostrou um avanço, porém ainda é insuficiente. Além de mais recursos, a educação pública precisa distribui-los de maneira mais equitativa. É necessário avançar na cooperação inter e intrafederativa!
As desigualdades educacionais (e sociais) ocorrem de diferentes formas, sendo que a mais gritante se dá entre as redes de ensino dentro de uma mesma municipalidade. Os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB revelam diferentes desempenhos entre estudantes conterrâneos matriculados em escolas federais (Ifes), particulares, estaduais e municipais. A educação reproduz (e corrobora) as desigualdades sociais.
O FUNDEB opera para transpor essas assimetrias, porém ainda há grande defasagem no financiamento das escolas federal, privada, estadual e municipal. As duas primeiras possuem investimento mensal superior ao que é repassado, muitas vezes, durante o ano inteiro às escolas estaduais e municipais.
Atualmente não se discute a importância do FUNDEB, mas sim seu potencial de investimento e equidade! Essas são as questões determinantes para assegurar maior igualdade de acesso, permanência e aprendizagem aos estudantes, independentemente da condição social e da escola que frequentam.
Diante dessa necessidade, o debate do FUNDEB deveria caminhar lado a lado com a reforma tributária. Isso porque os recursos ainda necessários devem vir dos atuais e dos novos tributos. Entre as fontes já existentes, é preciso rever as alíquotas de impostos sobre a renda e o patrimônio, com vistas a inverter a estrutura regressiva e injusta da tributação nacional, majoritariamente concentrada no consumo das famílias. Os impostos patrimoniais sempre foram subestimados, seja pelas baixas alíquotas ou em função da sonegação. O imposto de renda não incide adequadamente sobre as altas remunerações e isenta os lucros e dividendos de pessoas físicas e jurídicas. E quanto às novas possibilidades de tributos, deve-se rever imunidades e taxar as grandes fortunas. As pessoas ricas no Brasil precisam pagar imposto de acordo com sua capacidade contributiva. É assim que ocorre em países que elevaram o nível de desenvolvimento com justiça social.
Temos grande potencial para alavancar um regime solidário de tributação para financiar dignamente as políticas públicas, entre elas, a educação. E já passou a hora de enfrentarmos esse debate em nossa sociedade.
Contudo, na contramão dessa necessidade premente, preocupa as inúmeras ações paralelas ao FUNDEB que caminham no sentido de reduzir os recursos da educação. A emenda constitucional 95 foi o primeiro grande golpe, e precisa ser revogada! Mas também tramitam no Congresso iniciativas que visam (i) flexibilizar as vinculações constitucionais para as áreas de saúde e educação; (ii) acabar com o Fundo Social do Pré-sal, que destina recursos para a educação e outras áreas sociais; (iii) alterar a partilha e o uso do salário-educação, que financia importantes programas de assistência escolar, além de outras medidas que se opõem à expansão e à melhoria da educação pública. A postergação na regulamentação do Custo Aluno Qualidade, mecanismo de referência para o financiamento das matrículas em todas as redes de ensino, também é motivo de preocupação!
A CNTE apoia a aprovação imediata do novo FUNDEB
O fim do atual FUNDEB, em 31.12.2020, poderá causar uma situação de caos na oferta pública educacional, caso o Congresso Nacional não renove essa política de Fundo, assegurando mais recursos para as escolas públicas.
Embora o FUNDEB tenha se mostrado extremamente importante para assegurar as condições mínimas para o financiamento da creche ao ensino médio – envolvendo também as diferentes modalidades e formas de atendimento escolar –, faz-se necessário incorporar mais recursos ao Fundo para ampliar o atendimento público escolar com qualidade. Muitas redes de ensino já estão em situação de estrangulamento orçamentário!
O padrão de qualidade nacional requer um FUNDEB robusto e ainda mais cooperativo para elevar os investimentos nas redes estaduais e municipais de ensino, que detêm mais de 85% das matrículas no nível básico. Os Municípios atendem 23 milhões de estudantes e os Estados, 14,6 milhões. Além dessas 37,6 milhões de matrículas, o IBGE verificou que 78 milhões de pessoas acima de 18 anos de idade não concluíram o nível básico. Outros 7 milhões (aproximadamente) de brasileiros em idade escolar não frequentam a escola, projetando, assim, uma demanda potencial de 122,6 milhões de matrículas na educação básica pública!
Ao lado do Sistema Único de Saúde (SUS) e de outras ações de atendimento massivo à população, o FUNDEB representa uma das mais importantes políticas públicas do país, e precisa ser renovado de forma permanente, com maior capacidade de investimento e numa estrutura redistributiva mais equânime para proporcionar qualidade ao ensino público e valorização aos/às educadores/as.
Um FUNDEB mais robusto, perene e equânime requer ajustes no Substitutivo da PEC 15/2015
A CNTE entende que o mais importante, nesse momento, é aprovar o novo FUNDEB. Mas não podemos deixar de apontar questões essenciais para aperfeiçoar a proposta em debate na Câmara dos Deputados, com vistas a fortalecer o principal mecanismo de financiamento da educação pública no país. Neste sentido, reiteramos os pontos que nossa Entidade considera cruciais e que ainda podem ser reconsiderados pelos parlamentares. São eles:
1. Necessidade de novas receitas e a inadvertida inclusão do salário-educação
As primeiras minutas de substitutivo da relatora da PEC 15/2015 destinavam os mesmos percentuais e rubricas previstos na Lei 12.858 para o FUNDEB, inclusive os recursos do Fundo Social do Pré-sal. O atual substitutivo, ao contrário do que aponta a necessidade prática nas redes escolares, coaduna-se com a pretensão do Governo de acabar com o Fundo Social e exclui essa fonte de recursos do FUNDEB. Estima-se que a educação poderá perder aproximadamente R$ 500 bilhões ao longo das próximas décadas, caso o Fundo Social seja revogado! Outra proposta polêmica refere-se à inclusão da cota federal da contribuição do salário-educação no financiamento da complementação da União ao FUNDEB. Ao fazer isso, o governo remaneja recursos já comprometidos com a educação de uma rubrica para outra, descobrindo programas importantes como livro-didático, transporte e merenda escolar, construção e reforma de escolas, formação profissional, entre outros. Em 2019, a União investiu R$ 8,5 bilhões nesses programas, e a conta poderá ser repassada integralmente para Estados e Municípios caso o salário-educação (cota federal) seja incorporado no FUNDEB.
2. Repasse de verbas aos entes federados por critérios meritocráticos
O atual Substitutivo da PEC 15/2015 prevê duas formas de repasses meritocráticos para os entes públicos via FUNDEB: a primeira, através do ICMS repassado pelos Estados a seus Municípios (em percentual de até 35% para as redes de ensino que alcançarem melhores resultados); e, a segunda, através do percentual de 2,5% da complementação da União, também a ser transferido mediante critérios de avaliação das redes de ensino. Trata-se de prática em desuso na maior parte do planeta, especialmente nos Estados Unidos da América. E a CNTE não tem dúvida que, caso seja aprovada, em breve os gestores, os trabalhadores em educação e a população dos locais mais prejudicados por essa cláusula de exclusão irão se juntar para derrubá-la. O mecanismo é indutor de desigualdades e colide com os objetivos do FUNDEB. E o melhor seria corrigir agora essa questão.
3. Regulamentação adequada da política de valorização dos profissionais da educação
A educação básica é uma política que requerer muitos profissionais, e esses necessitam ser valorizados. Tanto os estudos do Custo Aluno Qualidade como a prática nos sistemas de ensino mostram que o percentual adequado de subvinculação do FUNDEB para investimento nas folhas salariais deve ser de 80% (e a PEC 15/2015 reserva 70%, ou seja, apenas 10% a mais para atender outros 2,3 milhões de funcionários da educação, além de 2,2 milhões dos atuais professores). Outra questão pendente é a regulamentação do piso salarial para todos os profissionais da educação, conforme dispõe o art. 206, VIII da Constituição. A redação do substitutivo, ao indicar o piso apenas para o magistério, se mantém em conflito com esse dispositivo da Carta Magna.
4. Os entes púbicos devem manter a autonomia sobre suas redes de ensino
A proposta que visa repassar irrestritamente os recursos da educação para as escolas (redação dada pela PEC 15/2015 ao art. 211, § 6º da Constituição) ofende princípios constitucionais, entre eles, o da economicidade, pois o Estado demandará muito mais estrutura para fiscalizar a correta aplicação das verbas da educação. Ademais, esse mecanismo escancara as portas para a privatização da escola pública, sobretudo através da “gestão compartilhada” com Organizações Sociais, as quais poderão administrar os recursos do FUNDEB destinados a cada escola, além de outros repassados pelas Secretarias de Educação.
Tão importante quanto aprovar com urgência o novo FUNDEB permanente, é assegurar qualidade a essa política pública de enorme impacto social. Precisamos do FUNDEB aprovado até o fim de 2020 e contamos com o compromisso dos(as) nobres parlamentares para ajustar a PEC 15/2015 nos termos acima apontados.
Brasília, 15 de abril de 2020
Diretoria da CNTE
FONTE: https://www.cnte.org.br/index.php/menu/comunicacao/posts/notas-publicas/73036-o-novo-fundeb-e-importante-e-urgente-e-a-proposta-parlamentar-pode-ser-aperfeicoada